O desporto, em geral, mas o futebol em particular, têm a capacidade de
fazer emergir de cada um de nós a faceta mais irracional do nosso âmago.
Há rivalidades históricas, que sobreviveram a duas guerras mundiais,
crises económicas globais e cataclismos.
O Sporting/benfica pode e deve inscrever-se como uma das mais
reconhecidas, e os adeptos de ambos os clubes quase tudo fazem para a preservar
bem de saúde.
De igual modo, mesmo que em número muito inferior, há adeptos de ambos
os clubes que vivem a rivalidade sem qualquer paixão, e retiram grande parte
das especiarias de um bom cozinhado.
A rivalidade Sporting/benfica sem picardias, é como uma sopa sem sal.
É sopa de hospital, aquela água deslavada que se dá a pessoas doentes.
Mas sopa deslavada, presunção e água benta, cada qual toma a que quer.
A vitória do Sevilha na final da Liga Europa parece ter provocado mais
um pequeno tumulto entre adeptos de benfica e Sporting.
Vi, uma vez mais, alguns (diria muitos) adeptos encarnados indignados
pela súbita alegria que possuiu alguns (diria muitos) adeptos leoninos.
Vi, uma vez mais, alegações ridículas e desprovidas de qualquer
sentido.
Alguns (diria muitos) adeptos encarnados, ficaram melindrados com as
piadas e manifestações de regozijo nas redes sociais ou onde se discute
futebol, após mais uma derrota europeia.
Desde falta de patriotismo à acusação de complexo de inferioridade,
tudo serviu para justificar uma mera opção livre e individual.
Mas porque carga de água tenho que gostar do benfica (ou do porto), ou
apoiá-los onde quer que seja?
De igual modo, acho perfeitamente natural que exultem (e é isso que
fazem) quando o Sporting é infeliz em qualquer competição.
Aliás, a prepotência e arrogância que lhes estão associadas, desde que
venceram umas tacitas europeias há 52 anos atrás, incrustaram-se no seu ADN.
É genético.
Enquanto os adeptos leoninos desfrutam do momento, os encarnados
vasculham o baú das memórias e atiram-nos à cara as empoeiradas conquistas.
O meu anti-benfiquismo e anti-portismo ganhou vida própria
precisamente porque muitos rivais me fizeram acordar da minha letargia, após
eliminações europeias.
Pouco antes, tinha comido sopa sem sal nas finais europeias dos
rivais, em 1987 e 1988.
Felizmente ainda acordei a tempo para a vida.
Tenho lido nas redes sociais extensas opiniões, tolhidas pela derrota,
em que questionam a opção da maioria dos sportinguistas quando o que estava em
causa era um representante do futebol português.
Só por mim posso falar.
Terei que gostar de Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, só
porque representa Portugal? Era só o que faltava.
Diria mais. Estamos muito mal representados.
Terei que gostar da música portuguesa na Eurovisão, só porque representa
o país? Posso até votar numa estrangeira, se me apetecer.
Terei que tornar-me católico, só porque é a religião maioritária em Portugal?
Tenho mais que fazer.
Devo apoiar benfica ou porto lá fora? Mas por alma de quem? Nem cá dentro nem lá fora.
Sou menos patriótico por não gostar de uma entidade com a qual não me
identifico?Cataloguem como quiserem, mas convivo bem com este sentimento e sei que é recíproco.
Tive um colega de trabalho benfiquista que, até internamente, preferia
uma derrota do Sporting no clássico com o porto, mesmo que esse resultado
retirasse o título ao benfica.
Dizia que ficava possuído quando o Sporting ganhava.
De acordo com as teorias uma vez mais ontem desenterradas, também devia ser complexo de inferioridade.
No entanto, apesar de achar uma idiotice esta opção, pois prejudicava o seu próprio clube, não o
condeno. Isto é a irracionalidade do futebol no seu estado mais puro.
Além disso, esta criatura começou a pôr sal na sopa muito mais cedo do que eu.
E, ao contrário do que alguns iluminados escreveram, a rivalidade extravasa
as nossas fronteiras.
Li que em Espanha todos puxavam pelo Sevilha ou por qualquer clube
espanhol, ao contrário do que acontecia cá.
Pura ignorância, mas não os posso condenar por não jogarem com o baralho todo.
Então alguém acredita que os adeptos culés estão pelo Real nas
competições europeias? E vice-versa?
Até deixo aqui a anedota do dia, com os adeptos do Bétis como pano de
fundo:
“El niño que le dice al padre: Papá ya hemos sido del
Oporto, del Valencia y ahora del Benfica.....Cuando vamos a volver a ser del Bétis?
“
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