Diz-se que o futebol da actualidade move milhões mas, muito antes desta
vertente economicista, começou por alimentar e incendiar paixões. Foi assim no
início e assim se mantém, apesar da evolução quase natural de algum clubismo exacerbado,
fruto de uma sociedade cada vez mais mediatizada e que promove este tipo de
exibições.
Se recuarmos algumas décadas no tempo, ou visionarmos dérbis do século
passado, é possível constatar que, apesar de toda a rivalidade já existente quase
desde a fundação dos clubes, era possível coexistirem nas bancadas adeptos de
cores diferentes.
No presente, como se já não bastasse assistirmos à selvajaria que
grassa pelo mundo às mãos de gente sem qualquer civismo ou humanidade, vimos que o futebol fora das quatro linhas também é, cada vez mais, palco de
violência e intolerância.
Claro está que a maioria não se revê ou condena actos que envergonham
o desporto, mas os sinais de um indesejado radicalismo parecem cada vez mais
evidentes.
Apesar da intensa rivalidade e do natural arremesso de adjectivos e
argumentos de um lado e do outro, cada vez mais potenciados pelas redes
sociais, há limites que são constantemente ultrapassados, também no esgrimir de
argumentos e de defesa dos ideiais.
O dérbi, que também aconteceu no futsal no passado fim-de-semana,
voltou a exumar lamentáveis acontecimentos através da exibição de uma tarja com
a inscrição “Very Light 96”, e culminou com o lançamento de tochas e petardos
na direcção dos adeptos sportinguistas presentes em Alvalade, como que a
lembrar que esse incidente que vitimou um adepto do Sporting pode não se
esgotar num lamentável cartaz mas que pode, sim, repetir-se a qualquer momento.
As manifestações de repúdio e de branqueamento, de um lado e do outro,
foram a consequência natural, mas o ego inchado, a prepotência e a intolerância
de quem se julga maior do que o próprio país parece não dar tréguas.
Hoje, ao visitar o blog “Leoninamente”, cujo autor defende
afincadamente o Sporting mas sempre com uma postura digna e educada (própria da
idade e da geração do autor) deparei-me com um comentário a uma pertinente
publicação sobre um jogador uruguaio recentemente contratado pela lampionagem.
Até podia não ser pertinente, mas a apregoada liberdade de expressão a
que temos direito, desde que exercida dentro dos cânones estabelecidos, é um
direito individual e inalienável.
A ameaça a que o autor foi sujeito, relembrando precisamente o crime
de 96, é lamentável e retrata o quão fundo se pode descer pelo alegado amor a
uma causa.
A barbárie cometida por radicais no Charlie Hebdo há tão pouco tempo,
e condenada por quase todo o mundo civilizado, parece não ter tido eco nalgumas
cabeças mais arejadas.
O mais preocupante é que estes são episódios cada vez menos isolados, a
tendência para propagar-se é bem superior ao actualmente contido Ébola, e não
se vislumbra que esteja qualquer vacina em testes para erradicar de vez este
praga.
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