Ontem já escrevi um rápido desabafo, ainda sob efeito do que me ia na
alma, após mais um empate do Sporting para o campeonato.
Referi, sem pudor, que a primeira parte não terá sido do agrado de
nenhum sportinguista, e nos quais me incluo.
Vinquei, também sem pruridos, que o Sporting foi mais uma vez
emboscado pelos índios, ou pelos cowboys, neste verdadeiro Far West, enquanto noutro campo se montava outra cilada.
Graças a esta dupla constatação, continuo a não ser capaz de fazer coro
com os que só encontram no plantel, equipa técnica e estrutura para o futebol,
todos os males da classificação actual, mesmo que estes possam ter contribuído para
o terrífico cenário.
Não sou capaz de fazer coro, e volto a dizer, porque continuo a não
ver escrito em lado algum que uma equipa tenha que ser superior a outra para
vencer, mesmo que o tenhamos sido.
Não vejo escrito em lado algum que, para vencer, seja necessário
rematar mais, ter mais posse de bola ou fazer 90 minutos imaculados.
Não vejo escrito, tão pouco, que o campeonato se jogue com regras
distintas…para diferentes clubes.
Tenho lido, isso sim, que enquanto os adeptos rivais se deliciam com o
estado comatoso do nosso futebol, branqueando as críticas que fizeram durante
décadas ao poder a Norte, os nossos adeptos se digladiam numa luta fratricida.
Porque, em casa onde não há pão (pontos) todos ralham e ninguém tem
razão.
Uns tentam manter a sua fé à tona, agarrando-se com todas as forças às
sucessivas mentiras que acontecem um pouco por todo o lado, proclamando
justiça.
Outros, afastam com desdém as águas conspurcadas onde nos debatemos e
apontam o dedo à gestão desportiva, proclamando mudança.
Mas, quando oiço alguns sportinguistas descrever os nossos defeitos
como fonte de todos os nossos pecados, apetece-me citar uma passagem da Bíblia,
apesar de eu ser agnóstico.
“Não carregueis convosco dois pesos, um pesado e o outro leve, nem
tenhais à mão duas medidas, uma longa e uma curta. Usai apenas um peso, um peso
honesto e franco, e uma medida, uma medida honesta e franca.”
Esta passagem foi adaptada há uns anos pela classe política portuguesa, que
passou a usar com frequência a frase “…dois pesos e duas medidas”, mesmo que o
mais correcto fosse dizer “…um peso e duas medidas”.
Mas também é frequente falar-se em pesos e medidas nos direitos
humanos, no poder local, no desporto ou na justiça.
Se nos focarmos nesta última, acredito que qualquer cidadão português,
seja ele adepto do Sporting, benfica ou porto, se sinta indignado quando se
apercebe que há uma justiça para pobres e outra para ricos.
Ninguém fica indiferente à leitura que se faz da lei, e aos casos que
nos entram pela tv a cada dia.
Todos se indignam com a impunidade que um determinado estatuto e poder
concede a uma pequena elite, enquanto à maioria lhe são vedados esses
privilégios.
Todos nos recordaremos do julgamento de uma idosa por ter furtado um artigo
de 2,79 €, com um pedido de indemnização disparatado, enquanto os crimes da
alta finança são sustentados por todo um povo e se arrastarão nos tribunais até
prescreverem.
Estes peso e medidas diferentes passaram a ser uma imagem de marca do
país.
Também no futebol os clubes jogam com regras diferentes, com pesos
e medidas díspares.
O que a uma elite é permitido, aos outros é negado, num sistema
completamente viciado e que deveria, também ele, unir todos em redor de uma
causa.
Contudo, aqui o povo já está dividido, porque a justiça com a qual se
indigna e a igualdade que proclama tem uma fronteira bem definida.
A linha que separa o seu clube de todos os outros.
A mesma linha que separa a mentira da verdade.
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